O LOBO SAI DA PELE DO CORDEIRO
MILÍCIAS SE ESPALHAM POR RUAS DE 17 BAIRROS
Grupos armados, formados por policiais e ex-policiais civis e militares, começam a praticar extorsão no asfalto.
Claudio Motta e Sérgio Ramalho
Dono de uma microempresa em Anchieta, Marcos imaginou que seria assaltado ao parar o carro em frente à sua firma, às vésperas do Natal.
Abordado por dois homens, o empresário passou do medo à incredulidade. Armados, eles se apresentaram como policiais e “sugeriram” ao empresário o pagamento de uma taxa semanal para garantir a segurança da empresa. A história confirma o levantamento feito pela Subsecretaria de Inteligência (SSI), revelando a expansão das milícias para o asfalto, em áreas próximas a favelas, em 17 bairros do Rio.
Depois de expandir o domínio para 92 favelas do Rio, as milícias formadas por policiais, bombeiros, agentes penitenciários e ex-policiais vêm cobrando taxas para “proteger” moradores e comerciantes de áreas próximas às favelas.
O grupo que desde novembro domina a favela Kelson’s, na Penha, vem estendendo suas atividades para o vizinho Mercado São Sebastião. Situado na Avenida Brasil, o complexo, com cerca de dois milhões de metros quadrados, é sede da Bolsa de Gêneros Alimentícios (BGA) do Rio e rota obrigatória de mais de 60% de todos os alimentos consumidos na cidade, segundo levantamento da Associação Comercial de maio de 2005.
“Segurança é milícia com nota fiscal” A presença dos milicianos preocupa o presidente da BGA, José de Souza e Silva. Segundo ele, insegurança é uma dos principais problemas que prejudicam o desenvolvimento do mercado.
— Os milicianos realmente passam pelo Mercado São Sebastião.
O que mais se expandiu ultimamente foi a guarda privada, inclusive as milícias.
É uma atividade ilegal, mas quem criou as milícias foram os ricos. Os seguranças de alguns condomínios são milícias com nota fiscal. As autoridades têm que analisar com profundidade o problema. As milícias começam a ter um domínio não só da comunidade pobre, mas também se transformam numa força política — alertou José de Souza.
Comerciantes do Mercado São Sebastião, que preferiram não se identificar por temer represálias, contam que os milicianos começaram a circular no local depois de consolidado o domínio territorial da Kelson’s, no fim de novembro.
Os primeiros contatos com comerciantes teriam acontecido com os donos de pequenos restaurantes, lanchonetes e trailers.
— Não é de hoje que a insegurança é um problema no Mercado São Sebastião, que já sofreu com uma onda de seqüestros em meados dos anos 90. As grandes empresas já têm seguranças, muitos deles policiais militares que não são da Kelson’s. Por isso os milicianos começam a vender proteção para os pequenos lojistas, que não têm esquemas montados — afirma um dos comerciantes.
O coordenador do Gabinete Militar da prefeitura, coronel Antônio Amaro, fez um relatório, no fim do ano passado, sobre a expansão das milícias na cidade. Ele já recebeu informações sobre a expansão do grupo que domina a Kelson’s, no Mercado São Sebastião.
— A expansão das milícias é um fenômeno novo, ainda estamos reunindo informações da sua atuação fora das favelas, mas sabemos que há influência da Kelson’s no Mercado São Sebastião — disse.
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