BANDIDOS X BANDIDOS:PROMESSA DE MAIS GUERRA
Milícia: nova guerra à vista
Objetivo do grupo liderado por policial civil e bombeiro é tomar Cidade de Deus de traficantes, reunindo ‘exército’ de 1.200 homens. A comunidade de Jacarepaguá seria ‘base de operações’
Rio - Relatório elaborado pela Subsecretaria de Inteligência (SSI) revela que está sendo articulado um plano de milicianos para invadir a Cidade de Deus, em Jacarepaguá. Pelo menos 1.200 homens estariam recebendo instruções táticas para ocupar a comunidade, que tem aproximadamente 40 mil moradores e movimentado comércio. Cada recruta estaria recebendo como pagamento R$ 200 por dia para encarar a empreitada e expulsar traficantes que hoje dominam a favela.
De acordo com o documento, cujos detalhes foram repassados por uma alta fonte que participa da investigação, a ação está sendo arquitetada há quatro meses em cinco pontos de Jacarepaguá. O interesse em tomar a área seria também para transformar o território estratégico em uma espécie de ‘base de operações’ das milícias que atuam naquela região. Dois homens são apontados como os mentores do plano: um policial civil conhecido pelo apelido de Robocop e um bombeiro de nome Girão.
O cerco dos milicianos está sendo feito a partir das comunidades situadas nos arredores da Cidade de Deus e que já foram dominadas por eles, como São José Operário e Bateau Mouche, na Praça Seca; Morro do Fubá, em Campinho; Caixa D’Água, no Largo do Tanque; Favela da Covanca, no Pechincha; e outras localidades menores.
Os grupos são formados por policiais militares, policiais civis, bombeiros, informantes e pessoas indicadas por aliados mais próximos. Os homens recrutados recebem todas as instruções para o ataque e a garantia de que terão um poderoso arsenal à disposição.
MILITAR DO EXÉRCITO
Segundo informações que estão sendo apuradas a partir do relatório da SSI, a milícia da Gardênia Azul está sendo chefiada, a mando de Robocop e Girão, por um sargento do Exército — que está na ativa e é lotado no Hospital Central do Exército. Ele é conhecido pelo apelido de Soquetão e seria dono de uma grande peixaria. O militar também seria sócio de um bingo e participaria da exploração de seguranças feitas por seus homens para comerciantes e moradores.
Outra comunidade que já está ocupada por ‘soldados’ de Robocop e Girão é a Vila Sapê, em Curicica, Jacarepaguá. Até pouco tempo atrás, a favela era uma espécie de ‘estica’ (ponto de venda de drogas) do tráfico da Cidade de Deus.
Foi nas proximidades da Vila Sapê que, em outubro, três jovens com idades entre 10 e 14 anos foram torturados, estrangulados e jogados dentro de sacos plásticos à beira de um rio. Na semana anterior, outras cinco pessoas foram assassinadas sob a suspeita de estarem devendo dinheiro às bocas-de-fumo ou de serem informantes da polícia na região.
CAÇA-NÍQUEIS
Robocop e Girão seriam ainda sócios do cabo da PM Jorsan Machado de Oliveira, de 30 anos, assassinado no sábado da semana retrasada, dentro de seu Audi A3 preto, no Largo do Tanque, em Jacarepaguá. Ele estava com o amigo Antônio Paulo da Costa, de 25 anos, que também foi morto, na saída da Escola de Samba Renascer. Lotado no Batalhão de Choque, o cabo era conhecido como Jorsan Japonês e teria comandado o grupo que expulsou os traficantes do Morro da Caixa D’ Água.
O nome de Jorsan também aparece no pen drive (arquivo digital portátil) de Rogério Andrade — apreendido ano passado pela Polícia Federal com o contador do bicheiro — como um dos responsáveis pela segurança dos caça-níqueis em Jacarepaguá. Ele atuaria na região com o apoio de Leonardo Brandão Alves, conhecido como Léo Magrinho. Investigado na morte do agente federal Aluizio Pereira dos Santos e denunciado por formação de quadrilha pelo Ministério Público, Jorsan foi flagrado pela PF em escuta telefônica conversando com uma pessoa que o agradece pelo apoio ao ex-chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, eleito deputado estadual.
Um ponto considerado estratégico
A Cidade de Deus é considerada, segundo os analistas do relatório, um ponto estratégico para domínio das milícias por estar situada numa região central e cercada por outros bairros, como Curicica, Gardênia Azul, Anil, Freguesia, Pechincha, Taquara, Tanque, Praça Seca e Vila Valqueire. Em boa parte dessas localidades, os milicianos já estão presentes. Até agora, o tráfico de drogas, que ocupa a Cidade de Deus, tem resistido à invasão das milícias. Nas últimas semanas, um clima de tensão tem pairado sobre a favela, que se tornou conhecida internacionalmente através do filme de Fernando Meirelles. Os moradores temem um confronto violento na comunidade nessa disputa pelo território pelas milícias e traficantes. “Não sabemos o que é pior, uma coisa ou outra. O que sabemos é que nesses conflitos de homens armados a gente é que acaba levando a pior”, lamenta um morador, de 52 anos, pai de quatro filhos adolescentes, há 30 anos vivendo na Cidade de Deus.